21.2.09

A curva - parte I



Fosse o cansaço da recta, a ressaca da véspera ou o nevoeiro que baixava em silêncio, a verdade é que ia atirando o carro para lá da protecção da estrada, ao entrar numa curva.

Porra! Desta podia ter encontrado a família que já viajou para o outro lado. Nada me prende, costumo dizer, mas não sou dado a inesperados encontros de família.

Lavou os olhos com a água da garrafa que levava. Acendeu um cigarro, depois de abrandar e, enquanto isto, viu uma árvore feérica que parecia bem na frente. Como a mandá-lo parar.



Mas o que é isto agora? É do nevoeiro. O melhor é estacionar algures e dormitar um pouco. Se eu fosse dado a coisas do além começava a acreditar em tudo o que li na internet quando comprei a casa. Se.

Esperou por uma berma larga. Ligou os quatro piscas, dobrou-se sobre o volante e adormeceu.


fotos de driek

e de integrity_of_light

31.1.09

A recta - parte II



Regressado ao caminho foi acometido pela memória dessa manhã, antes de partir para a aventura. Não se orgulhava nada de ter deixado a dormir, sem uma palavra de aviso, a sua parceira da noite anterior. E que noite! Aquela mulher tinha nascido para o amor físico. Aquele de que ele gostava, sem declarações nem previsões de futuros a dois e os que viessem. Mais uma razão para merecer ela outra atitude para lá de um beijo de despedida enquanto dormia.
Coisa de principiante. Gritou no silêncio do automóvel.


Mas a verdade é que tudo lhe parecia ser um princípio desde que fora informado da morte da tia. A tristeza, primeiro. Ela cuidara dele toda a infância. Depois a herança de uma quantia que ele nem conseguia imaginar que ela tivesse. Ele, que como repórter freelancer, vivia como um saltimbanco de país em país e tanto podia ganhar muito como passar maus bocados, quando não encontrava comprador para um reportagem. Ah, mas lá agarrado às regrinhas de um director de jornal não me apanharam!




Comprei uma casa. Um casa velha. Uma casa que tem ar de ser tão louca como a minha vida. Uma casa com segredos para contar. É desta vez que vou escrever um livro. Dizem que o dinheiro não é tudo. Pois não. Mas sem dinheiro, até a nossa loucura tem de ser limitada ou acabamos sedados, com visitas obrigatórias a hospitais de loucos.

A casa não devia estar longe. A estrada estreitara, a chuva dera lugar a um nevoeiro de mistério. Sentia que tinha razão. Achara o lugar certo para parar e escrever.




foto nº1 de oleg_kosirev

e nº2 de Alex_malaga

28.1.09

A recta - parte I



A recta parecia interminável. Não gostava de rectas. Faziam-lhe sono e não tinha dormido o suficiente. Começou a pensar se não seria melhor regressar ao hotel e ter uns dias de verdadeiro descanso. Afinal estava de férias. Mas não gostava de torcer o destino. Acreditava nele. Nada lhe tinha corrido bem nas últimas 24 horas para quê insistir em ficar? Além de que aquela ida estava pensada há cerca de um ano. O desvario que tinha feito custara-lhe as poupanças de uma vida e mais uns trocados. Sorriu. Afinal nem sabia o que ia encontrar.


Se pelo menos houvesse um lugar qualquer onde parar para tomar café. Maldita recta. Bem, aquilo tinha de virar em qualquer lado. Sacudiu-se como um cão, a afastar o sono. Não lhe serviu de nada. Parou o carro na berma, abriu a porta e saiu para a chuva. À falta de outro estimulante, o frio da água a cair-lhe na cabeça teria quase o efeito de um duche, de madrugada, em dia de falta de gás.

E teve.

Retomou o caminho até distinguir na neblina criada pela chuva uma bomba de gasolina. Até que enfim! Algum calor a reconfortar o estomago e dois dedos de convesa fiada. Depois regressaria à estrada. Ainda estava longe e o dia prometia continuar cinzento.




foto de Julia Pluim